sexta-feira, 21 de junho de 2019

JOVENS CRITICAM A INDÚSTRIA PORNOGRAFIA


Nascido na era da internet, o paulistano Jefferson sempre teve fácil acesso à pornografia. Embora não se considerasse viciado, assistia a material explícito pelo menos cinco vezes por semana em sites de compartilhamento de vídeos. O hábito se manteve constante até 2016, quando entrou em contato com outro tipo de conteúdo nas redes sociais. Na página “Anti Pornografia” , que tem 32 mil curtidas no Facebook, descobriu estudos sobre os danos causados pelo pornô à saúde mental e foi alertado sobre os abusos sofridos pelas atrizes dessas produções. O suficiente para que esse promotor de vendas de 23 anos, que prefere não revelar seu sobrenome, excluísse completamente a pornografia da sua vida.
  
— Somos uma geração educada sexualmente através do pornô, em especial os homens — diz ele. — Talvez por causa de estudos mais recentes, só agora está surgindo uma maior conscientização sobre os problemas desse consumo.

Parte da geração que cresceu com a pornografia começa agora a questioná-la. O movimento é cada vez mais visível na internet, e não está ligado a princípios religiosos, mas de bem-estar. São em geral jovens com menos de 30 anos que usam fóruns e grupos de discussões como o Reddit para se manifestar sobre os impactos da indústria pornográfica em suas vidas. Um dos assuntos mais comentados nessas comunidades é o reboot — uma técnica que, a grosso modo, tem como objetivo “reinicializar” o cérebro e reconfigurar o desejo a partir da abstinência de pornô.

Um dos nomes mais citados nestas comunidades é o do fisiologista americano Gary Wilson, autor do livro “Your brain on porn” (“Seu cérebro e o pornô”) . Frequentemente, os adeptos do reboot se baseiam no TedTalk de Wilson, “The great porn experiment” , que tem 11 milhões de views. Os argumentos do fisiologista, porém, geram polêmica na comunidade científica, especialmente suas visões sobre vício. Um de seus papers acadêmicos associa o aumento da disfunção erétil com o a disseminação na pornografia — ideia que chegou a ser criticada por neurologistas.

Em entrevista por telefone, Wilson defende a relação entre disfunção erétil e o vício em pornô. Ele acredita, inclusive, que este fato leva cada vez mais homens a questionar o seu consumo. O que não significa, é claro, que a procura por pornografia não continue alta. No ano passado, só o site Pornhub teve 33,5 bilhões de visitas — 5 bilhões a mais do que em 2017.

— Ao mesmo tempo que um grande número de pessoas, especialmente homens e jovens, conscientizou-se sobre os efeitos negativos do pornô e decidiu abandoná-lo, há ainda um número maior que busca esse tipo de conteúdo on-line — diz Wilson. — O número de novos espectadores ultrapassa o de quem larga. Portanto, acho que isso vai ficar muito pior até começar a melhorar.

No site brasileiro “Como parar”, que reúne depoimentos sobre o vício em pornografia, jovens usam expressões como “mal do século”, “bug na cabeça” e “derrota”, entre outras nada positivas. Maiores consumidores deste tipo de conteúdo, os usuários masculinos do site contam que a exposição a ele trouxe problemas como perda de atração pela parceira, menor socialização, objetificação da mulher e depressão.

Já entre as mulheres, a rejeição está também relacionada à representação feminina e aos maus tratos das atrizes nos sets. Ao entrar em contato com grupos feministas, Nicole, de 20 anos, passou a questionar o seu consumo próprio de pornografia. Ela, que até pouco tempo tinha um namorado “viciado” em vídeos de sexo, passou a militar ativamente contra a indústria nas redes.

— Todas as minhas amigas são contra, diz.

Para Marina Cenni e Isadora Leal, duas das quatro administradoras da página “Anti Pornografia”, o movimento tem ganhado força principalmente por causa dos mais jovens.

—A indústria pornográfica teve um tempo livre para crescer e se solidificar na sociedade — avaliam elas, em entrevista por email. — Acho que as pessoas, aos poucos, estão se dando conta dessa força esmagadora que cresceu debaixo da cama, nas telas de jovens e adultos, enquanto recusava-se a falar sobre ela e insistia-se em normalizá-la.

Desde que a página começou a ganhar mais movimentação, muitas pessoas passaram a compartilhar suas experiências. A frase “Eu achava que eu era a única pessoa a se incomodar com isso” ainda é recorrente, o que prova, para Marina e Isadora, que o tema mantém-se como um tabu.

— É como se a pornografia fosse a norma e falar qualquer coisa contra ela fosse ser “antissexo”, ou “puritano”, o que não é o caso — explicam.

Se no passado o combate costumava partir de comunidades religiosas, agora ele encontra raízes em grupos que preferem trocar a pregação pela divulgação de pesquisas e dados científicos sobre os impactos do pornô.  É o caso do Fight the new drug (Lute contra a nova droga), uma ong americana que procura fazer um trabalho de conscientização entre os mais jovens.

— Descobrimos que a melhor maneira de educar os jovens sobre pornografia é ser honesto e direto — disse a organização, em uma entrevista através de sua assessoria. — Sem conversa fiada, sem fazer de conta que isso não é uma questão. Apresentar a ciência e os fatos também é importante.

Nem todos os pesquisadores, porém, concordam sobre o tipo de impacto que a pornografia produz.

— Não há uma fundação científica de que a pornografia em si traga prejuízos — acredita Paulo Rennes, coordenador do mestrado em Educação Sexual da Unesp. — Os problemas são mais relacionados no sentido de valores. A pornografia deseduca e faz com que os jovens tenham uma visão distorcida do sexo. Mas ela pode ser um reflexo, já que somos uma sociedade que investe no erotismo, em vez de investir na educação sexual. Assim, a pornografia pode servir para nos mostrar algo que precisa ser repensado ou excluído na sociedade.

Bolívar Torres 
Jornal O Globo

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