sábado, 21 de agosto de 2010

CASTAS INDIANAS PRESTES A SEREM MARCADAS COM TINTA INDELÉVEL

Vozes estridentes opõem-se a que o governo indiano identifique os cidadãos por sua casta de origem no censo nacional que realiza. A Índia não inclui a casta como categoria em um censo desde 1931.

Esta forma de hierarquia social, baseada na ascendência e ocupação tradicional, continua marcando a vida social e política do país. As castas têm origem no hinduísmo, mas nem cristãos e nem muçulmanos são imunes a elas.

A vasta maioria dos casamentos continua sendo endogâmicos, ocorrendo entre pessoas da mesma casta. Inclusive os jornais subdividem as colunas matrimoniais segundo a casta. Quando casais jovens violam este código, considera-se que convidam ao ostracismo social ou, pior, às matanças por honra. As castas também formam eleitorados já definidos, que são particularmente cuidados pelos políticos. Vários partidos regionais identificam-se estreitamente com uma casta em particular, como ocorre com o Partido Samajwadi (SP) no Estado de Uttar Pradesh, e com o Rashtriya Janata Dal (RJD), no Estado de Bihar.

O líder do SP, Mulayam Singh Yadav, e o do RJD, Lalu Prasad Yadav, promovem abertamente a casta yadav, integrada por camponeses que ascenderam socialmente. Ambos foram ministros-chefes e ministros do governo central. Os dois partidos, principais defensores no parlamento da medida de incluir a casta no censo, apoiam a governante Aliança Unida Progressista, liderada pelo Partido do Congresso.

Diante das acusações de que o governo está dando largas à aprovação da medida, o ministro da Defesa, Pranab Mukherjee, anunciou que o que está em estudo é “como e quando” isso deverá ser feito. O hierarca lidera um grupo de ministros encarregado de formular uma política sobre o tema. Os partidários da medida afirmam que sem estatísticas precisas sobre a quantidade de integrantes das castas fica difícil implementar de maneira justa os programas de desenvolvimento.

Particularmente no debate está o tamanho exato de um grupo oficialmente classificado como “outra classe relegada”, que se estima representa entre 40% e 60% da população da Índia é que está integrada por grandes castas como a dos yadavs. “Precisamos de uma recontagem científica das outras classes relegadas” para que possam se beneficiar de um sistema de cotas, disse Sitaram Yechuri, parlamentar pelo opositor Partido Comunista da Índia.

“A enumeração das outras classes relegadas rapidamente resolverá disputas sobre seus números reais e dará informação vital sobre suas condições socioeducativas e econômicas”, disse o demógrafo Yogendra Yadav, do Centro para o Estudo das Sociedades em Desenvolvimento, com sede em Nova Délhi.

Segundo Yogendra, o governo não tem outra opção senão contabilizar os grupos sociais que já reconhece mediante leis e políticas. Também deverá atender diretrizes judiciais para que possa ser adotada uma ação afirmativa, acrescentou. A quantificação desses grupos “deveria ter ocorrido no último censo, em 2001”, quando já se programava a política de cotas para os mesmos, afirmou.

Por outro lado, a Sabal Bharat, uma agrupação integrada por figuras públicas destacadas, elabora uma estratégia para impedir a inclusão das castas no censo até que o assunto possa ser analisado por um comitê legislativo pluripartidário, que considere as opiniões de juristas, estatísticas, demógrafos e outros acadêmicos, bem como das assembléias estaduais.

O fundador da Sabal Bharat, Ved Prasad Vaidik, disse à IPS que o assunto é muito importante para ser “tratado rapidamente por apenas um grupo de ministros ou pelos líderes políticos do parlamento atual, porque terá impacto nas futuras gerações”. O “fato é que os principais partidos políticos não querem assumir a responsabilidade de iniciar esta perigosa medida, mas estão ansiosos em preservar seus eleitorados”, disse Ved Prasad.

Nas últimas duas décadas, tanto o Partido do Congresso quanto seu principal rival, o pró-hindu Partido Bharatiya Janata, ficaram marginalizados em Uttar Pradesh e Bihar, estados que juntos abrigam 273 milhões de pessoas. Originalmente, a sociedade hindu se dividia em sacerdotes (brahmanes) como a máxima hierarquia, guerreiros (kshatriyas), comerciantes (vaishyas) e classes escravas (sudras).

Estas quatro categorias começaram a se dividir e subdividir e, com os séculos, chegaram a ser milhares de grupos fechados de caráter hereditário. A maioria das “outras classes relegadas” atualmente identifica-se com a casta sudra. A Constituição de 1950 ilegalizou a discriminação com base na casta, mas os preconceitos persistem, especialmente em áreas rurais onde vivem 70% dos 1,2 bilhão de indianos.

Por exemplo, os dalits (intocáveis), que estão fora do sistema de castas, enfrentam extremos preconceitos. O governo criou cotas para eles no parlamento e outros órgãos, bem como em postos públicos e instituições de ensino. Uma decisão do governo de estender a ação afirmativa a “outras classes relegadas” que inclui os dalits gerou protestos das castas “superiores” e também de grupos como a Sabal Bharat, que trabalham para eliminar o sistema de castas.

“A casta é um mal social que deve ser erradicado, e não ratificado mediante o censo. Sou brahmane, mas tenho um genro dalit, e nunca me importou perguntar a ele a que casta pertencia”, disse Ved Prasad. O governo apresentou no parlamento um projeto de lei para abordar uma série de impactantes “matanças por honra”, ocorridas nos últimos meses por causa de casamentos entre pessoas de castas diferentes.

Por outro lado, o Supremo Tribunal cobrou em junho que os governos estaduais informem as medidas que adotarem para dissuadir a matança por honra. No norte da Índia, a violência entre castas frequentemente conta com a bênção – pelo menos tácita – dos conselhos das aldeias.
Nova Délhi, Índia, 20/8/2010
Envolverde/IPS