Em 2007, Wallace iniciou o Projeto Shamatha, o
maior estudo científico dos efeitos da prática intensiva de meditação em atenção
e regulação emocional e seus correlatos neurais”
“Vinte cabanas alimentadas com energia solar, cada
uma com tudo que é necessário, cozinhas funcionais e jardins orgânicos privados,
espalhadas ao longo de uma linda área verde”, diz B. Alan Wallace com brilho no
olho, como se fosse uma criança animada falando de um novo brinquedo. Não, não
se trata de um lindo espaço recreacional em meio à natureza, e sim do que
Wallace vê como um observatório contemporâneo em que a ciência encontra a mente.
E se a mágica da motivação correta e da aspiração pura funcionarem, sua visão
pode se concretizar em breve – não tão diferente de cerca de 40 anos atrás,
quando Wallace escreveu em seu caderno “Que eu conheça um homem velho e sábio” e
acabou se tornando um dos maiores estudantes ocidentais de Sua Santidade Dalai
Lama.
Alan Wallace, erudito do Budismo, professor de
meditação, palestrante e autor, está em uma cruzada para liberar as ciências das
lentes limitadoras do pensamento reducionista e materialista, partindo para uma
exploração do mundo a um nível experimental e intersubjetivo ainda mais
profundo. “Na ciência da física tivemos duas grandes revoluções – Galileu, e
depois Planck e Einstein. Mas as ciências da mente estagnaram-se por todo século
passado em termos de contemplação da natureza da consciência e do problema da
mente-corpo, como um vagão encalhado na lama. Não me oponho às ciências. O
problema é que há uma aceitação superficial da parte de muitos cientistas, de
que toda a realidade consiste integralmente daquilo que é físico, mensurável em
espaço e tempo, ou em matéria e energia e suas propriedades derivadas. Eles
simplesmente não contemplam a possibilidade de ocorrer algo fora da esfera
física. Aplicado à consciência e existência humana, o materialismo científico
não consegue ir além do aspecto físico”.
Tal como o psicólogo americano William James, que
ele cita frequentemente, Wallace desafia a equação da mente-cérebro com paixão,
até com impaciência. “Os materialistas asseguram que o mundo afora corresponde
apenas àquilo que os cientistas podem medir. Todos fenômenos mentais, nossos
pensamentos, emoções e imaginação são reduzidos puramente a ondas cerebrais ou
atividades neurais. Não há lógica em simplesmente concluir da correlação
mente-cérebro que a mente é o cérebro e reificar todas nossas experiências como
sendo físicas ou materiais. Onde está a evidência? Isto é como uma crença
religiosa, ausente de embasamento sólido ou de evidência
empírica.
Pelo contrário, Wallace vê muitas evidências para
derrubar o mito mente = cérebro, assim como o famoso caso de Pam Reynolds, que
desconcertou a comunidade científica com seus relatos de experiências de
quase-morte. Mas não é preciso ir tão longe. “Tomemos por exemplo o amarelo que
vejo nestas flores. A luz incide no objeto e é transmitida até que as ondas de
luz cheguem à retina. Um impulso é enviado ao cérebro, que processa o sinal e eu
tenho a percepção das flores amarelas. Mas o amarelo que vejo não existe nem na
forma de impulsos elétricos, nem na de algum objeto físico específico, nem mesmo
das flores, que consistem de átomos e moléculas incolores.
O que pode ser medido fisicamente é inteiramente
diferente da natureza da experiência em si. Onde está o amarelo? Mesmo se
abrirmos um crânio, tudo o que veremos é matéria cinzenta. O amarelo das flores
está apenas em minha experiência”.
Tendo trabalhado com iogues altamente realizados
no Himalaia e meditantes de longa data de muitas tradições, este devoto
estudante do Dalai Lama está convicto de que a meditação proporciona uma ponte
entre ciência e religião e oferece insights inestimáveis sobre a natureza da
consciência. No entanto, ele reconhece que uma abordagem científica é necessária
para que os resultados de quaisquer descobertas possam ser universalmente
aceitos. “Neste mundo moderno, para qualquer descoberta ter alguma credibilidade
fora de seu próprio grupo, você deve trazer a ciência. Não é uma verdade apenas
budista ou uma verdade cristã. Se é verdade, é verdade”.
Alan Wallace vê a colaboração entre contemplativos
e cientistas como o caminho a seguir. “Estou muito feliz em colaborar com os
cientistas e não assumir que temos todas as respostas. A ciência tem muito
conhecimento de áreas que o budismo não têm, como a psicologia infantil e o
estudo sofisticado do cérebro, que é muito importante. A tradição budista é uma
tradição muito antiga, com uma enorme quantidade de insight, e a ciência moderna
é uma disciplina mais jovem que tem muito mais conhecimento do mundo físico, mas
não da natureza da consciência ou do problema mente-corpo. Portanto, este é
realmente o ponto de colaboração, com respeito e abertura mútua
“.
Em 2003, Wallace fundou o Instituto Santa Barbara
para Estudos da Consciência, sendo pioneiro em pesquisas sobre a natureza da
mente. Durante os últimos 12 anos, o instituto já trabalhou com cientistas,
psicólogos, filósofos e contemplativos através de seminários, palestras e
retiros longos para investigar a realidade da consciência. Em 2007, Wallace
iniciou o Projeto Shamatha, o maior estudo científico dos efeitos da prática
intensiva de meditação em atenção e regulação emocional e seus correlatos
neurais. “Tivemos um bom grupo de cientistas de mente aberta o suficiente para
assumir o desafio, não para debater questões filosóficas ou a natureza da mente,
mas para assumir uma abordagem muito mais pragmática. Durante três meses,
tivemos 70 pessoas em retiros residenciais intensivos, e tivemos dois
laboratórios de última geração fazendo exames de EEG, exames de sangue,
questionários, etc. Eles produziram um grande número de medidas e uma enorme
quantidade de dados”. Vários trabalhos científicos foram publicados com base
neste projeto, e o trabalho ainda está em curso.
No verdadeiro espírito de investigação budista,
Wallace convida todos a experimentar a mente em primeira pessoa em seu estado
natural. “Ehipassiko, venha e veja! Você não pode entender a mente sem olhar
para dentro”, diz ele enquanto ele orienta os alunos em retiro para examinar a
consciência dos pensamentos, o espaço da consciência, e a consciência da
consciência. Apesar de suas profundas raízes budistas, ele é rápido em apontar
que esta abordagem contemplativa não se limita ao budismo, mas é encontrada em
muitos outros ensinamentos ancestrais, como o cristianismo antigo, no hinduísmo,
taoísmo e sufismo. Ao enfatizar o não-sectarismo, Wallace vê uma base em comum
entre todas as fés para compreender e aprender uns com os outros e, talvez, agir
como catalisador para uma verdadeira renascença da investigação contemplativa
sem dogmatismo.
Além do aspecto científico e religioso, quais são
as implicações práticas de tudo isso? “Aquilo que me oponho é a ignorância e a
delusão, que são as raízes do sofrimento no budismo. Aquilo que realmente
promovo é uma abordagem imparcial para entender a natureza da mente, da
felicidade genuína, e das verdadeiras causas do sofrimento. O desenvolvimento
simbiótico da ciência e da tecnologia ao longo dos últimos 400 anos tem
contribuído enormemente para o hedônico, prazer e felicidade derivados de
estímulos externos. Vivemos em uma época de consumismo insaciável. Imagine se
todos os sete bilhões de pessoas no mundo de hoje tentarem satisfazer seus
desejos, desta forma, querendo mais e mais de tudo. Este hedonismo e indulgência
obsessiva estão drenando os recursos do mundo e consumindo o próprio mundo,
levando a guerras, conflitos, crimes e violência, estresse mental e depressão.
Embora seja importante satisfazer as nossas necessidades hedônicas, precisamos
enfatizar a eudemonia, a felicidade que não depende de quaisquer estímulos
externos, mas nasce de um profundo senso de bem-estar e calma interior. Esta paz
interior pode ser alcançada através do cultivo da mente e no desenvolvimento do
equilíbrio emocional com as qualidades de bondade amorosa, compaixão, alegria
empática e equanimidade”.
No começo de um curso sobre o cultivo de
equilíbrio emocional, uma senhora de cerca de cinquenta anos de cabelos
grisalhos, professora em uma vizinhança precária de Oakland por 30 anos e com o
cansaço expresso no rosto, comentou com desânimo: “Estou contando os dias para
me aposentar”. No entanto, ao final do curso de oito semanas sua atitude e visão
de vida de alguma forma se transformaram: “Quero continuar a ensinar e ver que a
cada ano posso fazer meu trabalho o mais significante possível”, disse ela
entusiasmada. Para Alan Wallace isso faz toda a diferença, e dá significado
àquilo que dedica a cumprir em sua vida enquanto segue no caminho do
bodhisattva.
Shuyin
Publicado originalmente em inglês no Buddhistdoor
Global
Traduzido por Lucas de Lima (Jigme Norphel) e Luís
Oliveira