segunda-feira, 14 de março de 2011

CAMELOS TAMBÉM CHORAM


Uma comunidade de pastores de ovelhas e camelos, na Mongólia, mostra que os camelos choram em circunstâncias que faria chorar qualquer ser humano.

Para nós, tão afastados da natureza, olhando a dureza do asfalto e a
indiferença dos muros e vitrinas; para nós que perdemos o diálogo
com plantase animais, e, porconsequência, conosco mesmos,
testemunhar com aquela bela família de mongóis o nascimento de um
filhote de camelo e sua relação com a mãe é uma forma de reencontrar
a nossa própria e destroçada humanidade.

É isto: eles vivem num deserto. Terra árida, pedregosa. Eles, dentro daquelas casas redondas de lona e madeira, que podem ser montadas e desmontadas. Lá fora, um vento permanente ou o assombro do silêncio e da escuridão. E as ovelhas e carneiros ali em torno, pontuando a paisagem e sendo a fonte de vida dos humanos.

Sucede, então, que a rotina é quebrada com o parto difícil de um camelinho. Por isto, a mãe camela o rejeita. O filho ali, branquinho, mal se sustentando sobre as pernas, querendo mamar e ela fugindo, dando patadas e indo acariciar outro filhote enquanto o rejeitado geme e segue inutilmente a mãe na seca paisagem.

A família mongol e vizinhos tentam forçar a mãe camela a alimentar o filho. Em vão. Só há uma solução, diz alguém da família, mandar chamar o músico. Ao ouvir isto estremeci como se me preparasse para testemunhar um milagre. E o milagre começou musicalmente a acontecer.

Dois meninos montam agilmente seus camelos e vão a uma vila próxima chamar o músico. É uma vila pobre, mas já com coisas da modernidade, motos, televisão, e, na escola de música, dentro daquele deserto, jovens tocam instrumentos e dançam, como se a arte brotasse lindamente das pedras.

O professor de música, como se fosse um médico de aldeia chamado para uma emergência, viaja com seu instrumento de arco e cordas para tentar resolver a questão da rejeição materna. Chega. E ali no descampado, primeiro coloca o instrumento com uma bela fita azul sobre o dorso da mãe camela.

A família mongol assiste à cena. Um vento suave começa a tanger as cordas do instrumento. A natureza por si mesma harpeja sua harmônica sabedoria.
A camela percebe. Todos os camelos percebem uma música reordenando suavemente os sentidos.

Erguem a cabeça, aguçam os ouvidos, e esperam. A seguir, o músico retoma
seu instrumento e começa a tocá-lo, enquanto a dona da camela afaga o
animal e canta. E enquanto cordas e voz soam, a mãe camela começa a
acolher o filhote, empurrando-o docemente para suas tetas. E o filhote antes
rejeitado e infeliz, vem e mama, mama, mama desesperadamente feliz.

E enquanto ele mama e a música continua, a câmera mostraem primeiro plano que lágrimas desbordam umas após outras dos olhos da mãe camela, dando sinais de que a natureza se reencontrou a si mesma, a rejeição foi superada, o afeto reuniu num todo amoroso os apartados elementos. Nós, humanos, na plateia, olhamos aquilo estarrecidos. Maravilhados.

Os mongóis na cena constatam apenas mais um exercício de sua milenar
sabedoria.E nós, que perdemos o contato com o micro e o macrocosmo
ficamos bestificados com nossa ignorância de coisas tão  simples e
essenciais.

Bem que os antigos falavam da terapêutica musical. Casos de instrumentos que abrandavam a fúria, curavam a surdez, a hipocondria e saravam até a mania de perseguição.

Bem que o pensamento místico hindu dizia que a vida se consubstancia no universo com o primeiro som audível - um ré bemol - e que a palavra só surgiria mais tarde.

Bem que os pitagóricos, na Grécia, sustentavam que o universo era uma partitura musical, que o intervalo musical entre a Terra e a Lua era de um tom e que o cosmos era regido pela harmonia das esferas.

Os primitivos na Mongólia sabem disto. Os camelos também. Mas nós, os pós-modernos cultivamos a rejeição, a ruptura e o ruído.

Mirian enviou esta Mensagem

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