domingo, 2 de maio de 2010

AMIT GOSWAMI INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL

O indiano Amit Goswami costuma dizer que todos nós temos dois lados. Um é o lado Isaac Newton - aquele que quer entender tudo em termos objetivos, matemáticos. Outro é o que ele chama, numa referência ao poeta inglês, de William Blake, mais sutil, que vê o mundo a partir de uma percepção intuitiva. Para ele, é na confluência desses dois lados que está a raiz da criatividade.

"Quase 100 anos de pesquisas sobre criatividade mostram que os cientistas também dependem da intuição. Nem tudo é racional, matemático", escreveu em O Universo Autoconsciente , publicado no Brasil pela Editora Aleph. Goswami sabe do que está falando. Ph.D. em física nuclear, até os 45 anos de idade estava mais para Newton do que para Blake. Era ateu convicto. Até que despertou para uma outra maneira de ver o mundo, ao perceber que era impossível realizar medições quânticas usando somente a inteligência racional e que a visão dos espiritualistas sobre o mundo era a mais acertada para entender a física quântica. Começou, então, a estudar as relações entre razão e intuição. Hoje, professor emérito no Instituto de Física da Universidade de Oregon, nos Estados Unidos, é um físico respeitado e especialista sobre essa nova ciência - do estudo da consciência dentro da ciência - que permite integrar o lado objetivo ao lado sutil: a inteligência espiritual.

Não é papo esotérico. A inteligência espiritual é uma evolução na maneira como a ciência descreve nossa relação com a vida e com o mundo. Por décadas, acreditou-se que a base para uma vida de sucesso era o quociente de inteligência, ou QI, 100% baseado na compreensão e manipulação de símbolos matemáticos e lingüísticos.

Nos anos 90, Daniel Goleman criou a expressão "inteligência emocional" para descrever a necessidade de se desenvolver o autoconhecimento e a empatia. Mais recentemente, cientistas encontraram evidências de que o cérebro humano foi programado biologicamente para fazer perguntas filosóficas e subjetivas, como "quem sou eu?" ou "o que torna a vida digna de ser vivida?".

O neuropsicólogo Michael Persinger e o neurologista Vilayanu Rama Chandran, da Universidade da Califórnia, identificaram no cérebro humano um ponto chamado de "módulo Deus", que aciona a necessidade humana de buscar um sentido para a vida.

É sobre isso que fala Goswami em sua participação em Quem Somos Nós?, um filme polêmico que defende que a realidade pode ser alterada por nossos pensamentos. Autor de livros como O Médico Quântico (Cultrix) e A Física da Alma (Aleph), ele se tornou quase um ídolo pop depois do filme. É requisitado mundialmente para conferências e virá ao Brasil em agosto. Semanas antes da viagem, ele falou a Época NEGÓCIOS.

"Inteligência também é criatividade.
É como você vai além da mente, além do conhecido"

O que é inteligência espiritual? A palavra espírito pertence à definição de espiritual, que significa holístico, pleno, a base do ser, e tem uma conotação antiga. Eu uso o termo "inteligência supramental", porque significa a inteligência além do mental. Tem a ver com nossos valores, virtudes e com os arquétipos que definem verdade, beleza, amor, justiça, bondade. É uma inteligência mais ligada à intuição do que à razão.

Como podemos desenvolvê-la? Temos quatro tipos de percepção: a sensação, no plano físico, a emoção, no plano vital ou energético, e o pensamento, no plano mental. E também a percepção sutil, a intuição, no plano supramental. Quando dependemos apenas do racional, que é a tendência hoje em dia, jogamos fora nossa intuição. O aspecto sensorial nós não descartamos, porque ele faz parte da relação física com o mundo, mas freqüentemente ignoramos bastante a emoção e a intuição. Isso precisa mudar.

A inteligência espiritual está se tornando mais importante? Nos últimos 50 anos, desenvolvemos uma visão de mundo materialista, reforçando os lados sensorial e mental. Ainda acreditamos que o mental faz parte do físico, que a mente é um fenômeno criado pelo cérebro. O que proponho é que, ao contrário, é a mente, a consciência, que cria não só o cérebro, mas a vida, a realidade que percebemos. De outra forma, qualquer conceito que não possa ser definido pelo materialismo é negado.

O senhor critica a "cultura da informação" em que vivemos hoje. Por quê? A cultura materialista coloca muita ênfase na informação. As pessoas hoje vivem na internet, perdendo muito tempo para processar informação sem conteú­do, quando poderiam estar vivendo a vida de maneira mais voltada para o interior, para a subjetividade. Deveríamos dar muito mais atenção a nosso mundo interior.

Como fazer isso? Entendendo que a consciência é a base da existência. Ao dar valor primordial à consciência, podemos apreender todas as suas qualidades, não só as experiências materiais e sensoriais, mas também o que sentimos e intuímos. Essa intuição é um fenômeno que se explica pelo conceito de não-localidade, uma comunicação na qual não há troca de sinais, explicada pela física quântica. É um fenômeno em que moléculas, elétrons e pessoas se comunicam mesmo a longas distâncias. Isso é a evolução de nosso conceito de inteligência, porque previamente o argumento era que inteligência era a maneira como usamos nosso computador cerebral. Lógico que existe um componente em seu DNA que explica como você usa seu cérebro, mas inteligência também é criatividade - é como você vai além da mente, além do conhecido. Precisamos integrar a intuição e a criatividade a nossa razão.

Nem só razão, nem só emoção. Para o indiano Amit Goswami, a base da criatividade é a inteligência que se baseia nas percepções sutis e na intuição. Veja o que o físico indiano fala sobre inteligência espiritual.

Esta mudança da ciência, de uma visão materialista para uma visão espiritualista, foi quase totalmente devida ao advento da Física Quântica. Ao mesmo tempo, houve algumas mudanças em Psicologia Transpessoal, em Biologia evolucionista, e em Medicina. Mas acho que é correto dizer que a revolução que a Física Quântica causou na Física, na virada do século, seria baseada não apenas no movimento contínuo, mas também no descontínuo. Não apenas transferência local de informações, mas transferência não-local de informações. É um conceito interessante, pois os físicos sempre acreditaram que a causalidade subia a partir da base: de partículas elementares, átomos, para moléculas, para células, para cérebro. E o cérebro seria tudo. O cérebro nos daria consciência, inteligência, todas essas coisas. Mas descobrimos, na Física Quântica, que a consciência é necessária, o observador é necessário. É o observador que converte as ondas de possibilidades, os objetos quânticos, em eventos e objetos reais.

Às vezes, eu digo que todos nós, todas as pessoas, cientistas, todos nós temos dois lados. Um é semelhante a Newton, que quer entender tudo em termos de objetividades, ciências e matemática, e o outro é William Blake, que é místico e ouve diretamente, intuitivamente, desenvolvendo seu retrato do mundo baseado nessa percepção intuitiva. O que ocorre nessa integração é que começamos a entender a natureza da criatividade. E a falsa idéia de que cientistas só trabalham com idéias racionais e matemáticas, está, aos poucos, caindo.

Einstein disse isso muito claramente: "Não descobri a Teoria da Relatividade apenas com o pensamento racional". As pessoas não levam a sério tais declarações. Mas Einstein falou sério. Ele sabia que a criatividade era importante. Agora, quase cem anos de pesquisas sobre criatividade estão mostrando que os cientistas também dependem da intuição. Eles também dependem de visões criativas para desenvolver sua ciência. Nem tudo é racional, matemático; nem tudo é pensamento racional.

Sou um grande seguidor de Jung. Acho que Jung foi dos precursores da integração que está ocorrendo agora. Nos meus primeiros textos, eu citava muito a afirmação de Jung de que, um dia, a Física Nuclear e a psicologia se unirão. Acredito no conceito de arquétipo de Jung, que fala de aspectos eternos da consciência, contextos eternos da consciência. Acho que é um conceito muito poderoso. Mas, ao mesmo tempo, na Física Quântica, existe a idéia de que tudo que pertence à consciência são possibilidades. E por causa disso, por tudo ser possibilidade, surge a questão: alguém pode ir além de arquétipos fixos e considerar que os arquétipos estão evoluindo?

Devemos levar nosso mundo interno muito mais a sério. E, quando fazemos isso, nossa vida interna adquire uma enorme importância. Sim, a vida interna lida com o pensamento, a beleza, os arquétipos, de uma forma diferente que a vida externa, materialista. E, focalizando na vida interna, não só podemos nos transformar (essa é a parte mística), mas também podemos ter visões sobre o que criar, como criar, sobre nossas artes, sobre nossa música, até sobre a ciência. Revista Época Negócio

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