quinta-feira, 17 de julho de 2014

SEU CORPO ESTÁ LIGADO A UM PADRÃO CÓSMICO


O amanhecer provoca mudanças biológicas básicas no corpo humano. À medida que o sol se levanta e nós acordamos, a frequência cardíaca, a pressão arterial e a temperatura corporal aumentam. O fígado, os rins e muitos processos naturais também começam a mudar sua marcha lenta para um ritmo mais acelerado.

Quando a luz do dia diminui e a escuridão desce, estes processos igualmente começam a diminuir, voltando a seus níveis mais baixos enquanto dormimos.

Esses padrões biológicos internos estão intimamente ligados a um padrão cósmico externo: a rotação da Terra em torno do seu eixo uma vez a cada 24 horas.
Este “giro” infinito de luz e trevas e a sincronia correspondente de relógios internos e externos é chamado de ritmos circadianos. Circadiano vem de “cerca diem”, latim para “cerca de um dia”.

Ritmos circadianos e saúde humana
Os ritmos circadianos influenciam quase todos os organismos vivos, de bactérias e algas a insetos e pássaros e, como é cada vez mais compreendido pela ciência, seres humanos.

Os cientistas têm aprendido que esses padrões têm efeitos profundos sobre a saúde humana. “Os ritmos circadianos regulam quase todos os processos biológicos no nosso corpo, especialmente os processos relacionados com hormônios”, explica Yong Zhu, professor da Universidade Yale (EUA).

Zhu estudou as consequências de interromper os ritmos circadianos até as mudanças causadas a nível molecular. Para entender seu trabalho, é necessário se lembrar do fato de que ritmos circadianos são antigos.

Esse padrão foi estabelecido cerca de 3 bilhões de anos atrás, e a vida na Terra evoluiu de acordo com ele. No entanto, muitos aspectos dos ritmos circadianos e suas influências permanecem misteriosas.

Os cientistas compreendem apenas parcialmente como a sincronia dos relógios internos e externos governa coisas como a migração das aves, a hibernação dos ursos e a comunicação de navegação entre abelhas.

Pesquisadores também só compreendem algumas das relações entre os ritmos circadianos e a saúde humana. Distúrbios nesse ritmo, por exemplo, ajudam a explicar fenômenos fisiológicos como jet lag, depressão de inverno (transtorno afetivo sazonal), insônia crônica e a fadiga habitual entre os adolescentes.

Mas só nos últimos anos os pesquisadores voltaram sua atenção para os efeitos na saúde a longo prazo de ritmos circadianos perturbados ou interrompidos.

Cerca de 25 anos atrás, o epidemiologista do câncer da Universidade de Connecticut (EUA) Richard G. Stevens se perguntou por que as taxas de câncer de mama eram tão altas, sobretudo nas sociedades industriais. Ele sugeriu uma possível ligação entre câncer de mama e uma invenção moderna que constantemente perturba os ritmos circadianos: luzes elétricas. Seguindo esta lógica, ele também postulou que trabalhadoras do turno noturno tinham taxas mais altas de câncer do que mulheres trabalhadoras dos turnos diurnos.

“A iluminação da noite é nova na evolução humana. Descobrimos como usar o fogo há muitos anos, e temos velas há cerca de 5.000 anos, mas não costumávamos iluminar a noite inteira. Eletricidade realmente mudou as coisas. Nosso sistema circadiano, que é antigo, está confuso”, argumenta Stevens.

Zhu e Stevens se conheceram em Yale e resolveram reunir seus conhecimentos para testar a teoria de Stevens sobre o câncer e o ritmo circadiano.

“Percebi que os ritmos circadianos provavelmente tem um tremendo impacto sobre a saúde pública, mas as pessoas não estavam prestando atenção suficiente”, disse Zhu.

Vários genes ligados ao ritmo circadiano, às vezes chamados de genes CLOCK, foram identificados em animais no final de 1990. Zhu e Stevens decidiram explorar o que Zhu chama de “hipótese do gene circadiano”. A ideia era procurar evidências de que genética é a questão-chave que liga mutações em genes circadianos relacionados ao risco de câncer de mama.

O primeiro trabalho da dupla apareceu no Cancer Epidemiology, Biomarkers & Prevention em 2005. Os pesquisadores identificaram uma mutação estrutural no gene “Period3”, que foi significativamente associada com o câncer de mama.

Eles examinaram também todos os 10 genes circadianos humanos, em particular o gene circadiano chamado CLOCK, responsável pela manutenção do ciclo. Estes resultados forneceram a primeira evidência genética ligando o câncer de mama a genes circadianos. Zhu e seus colegas também descobriram evidências ligando mutações em genes circadianos ao câncer de próstata e ao linfoma não-Hodgkin.

Além disso, os cientistas descobriram que o CLOCK regula muitos outros genes, incluindo alguns associados com a produção de hormônios. Em outras palavras, os ritmos circadianos são profundamente e sistemicamente influentes a nível molecular.

Quando algo deixa o CLOCK fora de sincronia com o ritmo circadiano universal, as consequências para a saúde podem ser graves.
Nesse ponto da pesquisa de Zhu e Stevens, uma série de outros estudos já haviam confirmado a relação entre câncer de mama e ritmo circadiano interrompido. Estudos na Dinamarca, Noruega e Estados Unidos mostraram que mulheres de diferentes ocupações que trabalhavam à noite por longos períodos (enfermeiras, comissárias de bordo e outras) tinham maiores taxas de câncer de mama.


As mulheres que trabalhavam em turnos rotativos irregulares tinham as taxas mais elevadas, provavelmente porque seus ritmos circadianos eram os mais interrompidos. “Levando em conta todos os estudos, o consenso é de que quem tem trabalha à noite tem cerca de 50% mais risco de câncer de mama”, afirma Zhu.

Em um estudo relacionado, Stevens e colegas descobriram que mulheres com deficiência visual tinham um menor risco de câncer de mama, com o menor sendo entre as mulheres cegas. “Elas não percebem a luz à noite”, diz Stevens, “então seu ritmo circadiano é vigoroso”.

Em 2007, a ligação entre o câncer de mama e trabalho noturno já era tão bem aceita que um painel de especialistas reunido pela Agência Internacional para Pesquisa sobre o Câncer concluiu que “o trabalho por turnos noturnos, envolvendo rompimento circadiano, é provavelmente cancerígeno para os seres humanos”. As causas biológicas para tanto, porém, permaneciam desconhecidas.

Usando dados de um estudo dinamarquês com trabalhadoras noturnas, Zhu e seus colegas descobriram a ligação molecular que faltava: em mulheres que trabalhavam à noite há pelo menos 10 anos e tinham câncer de mama, o rompimento de seus ritmos circadianos foi detectado ao nível do DNA, em alterações epigenéticas, isto é, alterações genéticas causadas por influências externas.

A natureza exata desse mecanismo biológico, no entanto, ainda não está clara. Esse é o próximo passo da pesquisa de Zhu.
Ele suspeita que a perturbação dos ritmos circadianos causada por trabalho noturno suprime a produção de melatonina. A escuridão provoca a liberação desse hormônio fundamental que, por sua vez, sinaliza para que determinados processos biológicos desacelerem e nos ajuda a dormir.


Algumas pesquisas sugerem que, quando a melatonina é suprimida, os níveis de estrogênio aumentam – e altos níveis de estrogênio são uma causa conhecida de câncer de mama.

Mulheres que trabalham à noite sob luzes brilhantes habitualmente bloqueiam a produção de melatonina e, talvez, aumentem seu risco de câncer de mama. O inverso pode também ser verdadeiro: a melatonina é capaz de suprimir tumores mamários em roedores, por exemplo.

E, se você trabalha à noite e está com medo de ter câncer, pode ficar um pouco mais tranquila. Em todo o mundo, estima-se que 15 a 20% das mulheres trabalham no turno da noite. Zhu aponta que muitas dessas mulheres provavelmente não são suscetíveis aos fatores de risco que ele tem estudado, assim como muitos fumantes não desenvolvem câncer de pulmão.

No entanto, ninguém sabe ainda quanta perturbação dos ritmos circadianos é necessária para causar um dano grave à saúde; Zhu acredita que isso varia de pessoa para pessoa. Ele também espera que no futuro existam testes genéticos que identifiquem as pessoas que são biologicamente mais vulneráveis a perturbações em seus ritmos circadianos.

Além disso, os pesquisadores ainda não conhecem todas as maneiras como os genes circadianos interagem e se combinam com outros fatores de risco. Por exemplo, mulheres na pré-menopausa que realizam determinadas mutações genéticas em um gene circadiano são mais propensas a desenvolver câncer de mama.

Mais problemas do que podemos imaginar. Não só mulheres, mas homens também estão sujeitos a potenciais problemas de saúde que vêm com um ritmo circadiano perturbado.

E esses problemas vão muito além do câncer de mama. O trabalho de Zhu, por exemplo, tem sugerido que os ritmos circadianos desempenham um papel no câncer de próstata. Evidências mais fracas também o ligam ao câncer de ovário e de cólon. Zhu acha que esta lista de tipos de câncer ainda vai crescer, especialmente por conta dos relacionados a hormônios.

Outras pesquisas relacionam ritmos circadianos perturbados com obesidade, diabetes e doenças inflamatórias crônicas. Essa lista também provavelmente se alongará, conforme os cientistas continuam a desvendar os mecanismos dos genes circadianos.

“O reparo do DNA é acionado durante o sono e funciona para corrigir todo o dano genético que ocorre durante o dia”, ressalta Zhu. Células não reparadas têm maior risco de sofrer mutações como alterações cancerosas. Da mesma forma, genes circadianos estão diretamente envolvidos na regulação da divisão celular, e muita da qual ocorre durante a noite, provavelmente porque a luz ultravioleta pode causar mutações e as células são mais suscetíveis a mutações enquanto estão se dividindo. 

Tudo isso significa que as pessoas que trabalham à noite ou têm padrões de sono irregulares (dormem pouco ou mal) podem ser mais vulneráveis ao câncer e outros problemas de saúde.

Os pesquisadores também estão procurando formas de usar os ritmos circadianos para melhorar a saúde. Alguns medicamentos, por exemplo, são mais eficazes se tomados em certos pontos do ciclo circadiano.

Ataques cardíacos e derrames são mais comuns no início da manhã, quando a frequência cardíaca e a pressão arterial aumentam. É por isso que a medicação para pressão arterial deve ser tomada logo ao acordar. Por outro lado, ataques de asma são mais comuns à noite, e a medicação preventiva funciona melhor antes de dormir. 

Estudos preliminares sugerem que algumas quimioterapias são significativamente mais eficazes e provocam menos efeitos colaterais quando administradas na altura ótima do dia.

Embora muito do que sabemos hoje ainda seja largamente baseado em experimentos não replicados e especulação, o problema em si é bem identificado e merece atenção. Nos EUA, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças publicou um alerta sobre os riscos de saúde associados com motoristas e trabalhadores dos turnos noturnos e pessoas que não descansam o suficiente por causa de distúrbios do sono ou estilo de vida. Essas pessoas são menos atentas, mais lentas para reagir e mais propensas a tomar más decisões por consequência de ignorar seus ritmos circadianos.

“Todas as espécies na Terra evoluíram e se adaptaram a este ciclo”, diz Zhu. “Quaisquer alterações impactarão, sem dúvida, nossos corpos”.

MedicalXpress

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