domingo, 28 de março de 2010

A FÉ QUE MOVE EMPRESAS


A apoteose científica, tecnológica e virtual dos tempos modernos está provocando o surgimento de uma nova corporação dentro das corporações. Em vez de estimular o estresse, tenta-se eliminá-lo. Em vez de promover a competitividade do porteiro ao executivo número 1, procura-se dar conforto e segurança a todos. Em vez de exigir criatividade com o chicote, cria-se clima para que as pessoas encontrem, em paz, a inspiração. Um paraíso? Bem perto disso. Onda passageira ou não, algumas empresas estão recorrendo à religião - seja ela qual for - para levantar o astral cada vez mais combalido de seus empregados.

Bem acima da linha do Equador, muda o fuso horário, mas o "fenômeno espiritualista" ganha a megalomania americana. Nos Estados Unidos, meca das manias coletivas, a religião chega ao mundo financeiro, fazendo proliferar os fundos mútuos baseados na fé para atender a investidores católicos, islâmicos, luteranos, que evitam investir em indústrias de cigarros, bebidas, jogos e companhias com maus precedentes em relação ao meio ambiente, cujo volume de dinheiro aportado aos portfólios cresceu de US$ 1,2 trilhão para US$ 2 trilhões em um ano. E avança por empresas do porte da Xerox (US$ 400 milhões de faturamento), onde engenheiros durões aderem dia-a-dia aos chamados "eventos espirituais". Um deles reuniu 300 funcionários de todos os níveis durante 24 horas no deserto de New Mexico, "para se comungar com a natureza em busca de inspiração para a construção da primeira impressora-copiadora-fax digital da empresa, sob a liderança do engenheiro-chefe John F. Elter. Resultado da peregrinação: nasceu a Xerox 265DC, 97% reciclável, um sucesso retumbante . Executivos da Ford, Nike e Harley Davidson ficaram tão impressionados que foram a Rochester - sede do design da Xerox - para dar uma olhada no "milagre". Ainda nos Estados Unidos, executivos estão adotando o hábito de se reunir no café da manhã para ouvir conferências espirituais. Em Minneapolis, por exemplo, 150 executivos se reúnem mensalmente para ouvir do chefão da Medtronic In., William George, lições de negócios da Bíblia.

Uma pesquisa recente da McKinsey & Co., da Austrália, mostra que quando as companhias se engajam em projetos espirituais, a produtividade aumenta e o turn over diminui. Os trabalhadores religiosos costumam mergulhar no trabalho. Seria a religiosidade a última moda em vantagem competitiva? Que Jesus Cristo, Maomé e Xangô perdoem a "heresia", mas a resposta é sim. As rezas matinais na sede da Superbom dão resultado. "Não temos casos de brigas ou greves na empresa, todos se respeitam", diz Itamar de Paula Marques. Além dos cultos diários de 15 minutos, onde todos louvam Jesus, ouvem palavras de agradecimento pela vida e fazem pedidos de orientação para o dia de trabalho, todas às sextas-feiras o expediente termina às 13 horas, para a preparação dos fiéis para o sábado, dia sagrado para os adventistas, que começa no pôr do sol de sexta e vai até o pôr do sol de sábado. Com geléias, mel, compotas e sucos produzidos sem conservantes (a embalagem menciona a produção feita de acordo com os preceitos da igreja), a Superbom fatura R$ 15 milhões por ano e, diz seu presidente, nunca, desde 1929, quando surgiu como empresa a partir de uma escola adventista, esteve sob a ameaça de quebrar.

Foi a proteção divina? Fábio Fernandes, diretor de criação e sócio diretor da agência da publicidade F/Nazca, sem dúvida responderia sim. Religioso desde criança, ex-coroinha da Igreja de São Domingos de Gusmão, na Tijuca, no Rio, devoto de Nossa Senhora Aparecida, ele diz com segurança que tudo na sua vida acontece devido a fé. Quando a nova sede da agência foi inaugurada em julho passado, chamou um padre para benzer o lugar. Antes de apresentar uma campanha, pede ajuda a ela e ao Espírito Santo. E anda com um terço no bolso há mais de dez anos. Sua agência tem contas disputadas: Brahma, Skol, Zipnet, Garoto e Telemar. E o faturamento está nas alturas: previsão de R$ 250 milhões neste ano.

Graças à Nossa Senhora Aparecida e, claro, à competência da agência. Sempre é bom lembrar do provérbio russo que diz "reze a Deus mas continue nadando para a praia". É mais ou menos assim que Francisco José Correa Pinto, dono da empresa de decorações e revestimentos Dabila, no Rio de Janeiro, concilia sua religiosidade - ele é membro da Igreja Universal do Reino de Deus - aos negócios. "Não adianta ficar sentado rezando. Tenho que correr atrás", diz. Vai ao culto todos os dias, às 19 horas, e encara as crises como "fases do aprendizado". E garante que a fé é sua grande aliada nas horas de desespero. Correa não faz leituras e nem orações na empresa, ao contrário de Maricy Trussardi, proprietária da Romaria Empreendimentos, católica fervorosa. Duas vezes por ano, durante o horário de expediente, um padre da paróquia de Santo Amaro celebra missa na empresa. Contagiados pela religiosidade da patroa, 60 dos 140 funcionários, todos os dias, antes de sair para o intervalo do almoço, fazem uma oração conjunta ou lêem uma passagem da Bíblia. A Romaria produz 300 mil peças/ano e só Deus - além dos donos - tem acesso ao faturamento.

O fenômeno da religiosidade parece ser um reflexo das mudanças no mundo dos negócios. As pessoas estão trabalhando mais - o equivalente a um mês a mais cada ano, em comparação com uma década atrás. Comem na empresa, fazem ginástica na empresa, namoram e casam na empresa e é ali que sofrem diariamente pressões de todos os tipos, além de conviver com a ameaça do desemprego. Nesse clima perverso, uns se apegam à religião; outros trocam empregos milionários por qualidade de vida, realização pessoal, essas coisas que a maioria sonha e uma minoria realiza. "Mais e mais pessoas buscam o caminho da espiritualidade em busca de ajuda para enfrentar tudo isso", diz um consultor americano que tem como clientes Goldman Sachs, Sun Microsystems e Ford. Dez anos atrás seria impossível imaginar a existência de grupos de oração na multinacional de consultoria Deloitte & Touche. Seria quase ridículo, segundo os padrões da época. Hoje, além da pasta e do laptop, carrega-se a fé para o escritório. Para as empresas, esses programas espirituais não representam apenas um esforço para acabar com o estresse dos empregados, mas sim para liberar a produtividade. O que, para os críticos, é outra fantasia de administração, algo como a onda de soluções japonesas para aumentar a produtividade dos empregados e o lucro dos patrões. Pelo sim pelo não, tudo indica que, nestas alturas, rezar, se não for o melhor remédio contra as pressões, alivia. No mínimo, enquanto você reza estará livre de explodir e falar tudo o que sempre quis e nunca teve coragem, correndo o risco de perder o emprego. O momento não permite essa extravagância.  Revista Isto É DInheiro

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