É
muito difícil pesquisar qualquer assunto relacionado à educação emocional, ao
impacto da personalidade na aprendizagem e à inteligência afetiva sem deparar
com o nome do australiano Richard D. Roberts. Rich, como gosta de ser chamado
(inclusive em sua biografia acadêmica), é autor de mais de uma dúzia de livros
e de mais de 150 estudos científicos sobre personalidade e educação emocional.
É considerado um dos maiores especialistas em análise e avaliação de
personalidade. Doutor em filosofia e psicologia pela Universidade de Sydney,
Roberts especializou-se em avaliações internacionais de educação tradicional,
entre elas o Pisa – Programa de Avaliação Internacional de Estudantes, da Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Fez isso “até o dia em
que as achei insuficientes”, diz ele. “Nenhuma nota individual é capaz de olhar
o estudante efetivamente.” Há 20 anos, dedica-se ao desenvolvimento de análise
e avaliações emocionais e de personalidade. Hoje, vive em Nova York e dirige o
Professional Examination Service, entidade que desenvolve avaliações para novos
modelos de educação.
O
filósofo e psicólogo Richard Roberts em Nova York. Quando os alunos são
incentivados a resolver seus incômodos, eles aprendem a encarar o mundo (Foto:
Mark Von Holden/AP/ÉPOCA)
ÉPOCA
– Por que ensinar os estudantes a lidar com as
emoções é importante?
Richard
Roberts – Há fortes evidências de que trabalhar essas habilidades traz
resultados positivos para os alunos no aprendizado de vários tipos de conteúdo
e sobretudo na vida social. Nos Estados Unidos, temos pesquisas sérias que
comprovam que para cada dólar investido em programas de educação socioemocional
há um retorno de US$ 7 em benefícios para as pessoas que convivem com quem
recebeu esse tipo de educação. Pense no poder de revolução social dessa
pedagogia.
ÉPOCA
– De que forma se dá esse retorno?
Roberts
– A probabilidade de o estudante que recebeu esse tipo de treinamento ir para a
cadeia cai drasticamente. O desempenho escolar como um todo melhora
objetivamente. As taxas de evasão também caem. Quando se impede que um número
maior de jovens desista da escola e deixe de entrar no mundo do crime, só para
ficar em dois exemplos, criamos cidadãos saudáveis, produtivos e criativos.
Financeiramente, não só os gastos com saúde pública e serviços sociais caem,
como os ganhos econômicos aumentam. Há mecanismos sofisticados que já mediram
esse tipo de retorno.
ÉPOCA
– A educação socioemocional pode ser aplicada independentemente da cultura de
um país?
Roberts
– Sim. Ao falarmos de habilidades socioemocionais, falamos de traços de personalidade
e habilidades universais, como perseverança, responsabilidade, abertura ao
novo, ansiedade e amabilidade. Há cada vez mais evidências de que os traços de
personalidade são importantes para a educação e também para outros aspectos da
vida, como sucesso no trabalho, e até para predizer a expectativa de vida. A
relação é bastante lógica. Quem tem um bom relacionamento com as pessoas, foco
e propósito vive melhor. Não mudamos nossas personalidades, mas podemos
adquirir habilidades que equilibrem aspectos predominantes do nosso jeito de
ser que podem nos atrapalhar. Quem é tímido ou muito passivo pode aprender a se
colocar de forma saudável sem para isso se tornar líder de torcida.
ÉPOCA
– Há quem invista anos de psicoterapia para chegar a esse equilíbrio. Como se
podem trabalhar essas habilidades em estudantes?
Roberts
– Essa é a beleza dos programas socioemocionais: eles são muito simples.
Primeiramente porque crianças e jovens são esponjas que assimilam e incorporam
rapidamente atitudes que se mostram eficazes para eles. Há exemplos simples,
como mostrar o caminho e incentivar a criança a seguir por ele. Quando algo nos
incomoda, temos três formas de lidar com esse problema: evitar o fato, tentar
lidar (ou nos afogar) com nossas emoções ou pensar em formas de resolver o
incômodo. O que é mais eficaz comprovadamente? A terceira opção. Ao mostrar
isso ao estudante e ao incentivá-lo a pensar em formas de resolver seus
incômodos, nós os treinamos para encarar o mundo dessa forma. O ambiente
escolar, com sua diversidade de interação social e os desafios de aprendizado,
é rico e propício para despertar o olhar dessas crianças e estimular boas
práticas.
ÉPOCA
– Qual o papel da tecnologia no ensino
das habilidades socioemocionais? Ela é algo inexorável na educação e na vida,
mas também pode contribuir para o isolamento social dos alunos.
Roberts
– Temos muito a ganhar com a tecnologia. As ferramentas mais usadas hoje são um
chamado para a colaboração, que é uma das bases do aprendizado socioemocional.
O importante é entender como podemos usar essas ferramentas para estimular os
aspectos importantes para cada um.
ÉPOCA
– Hoje, nos Estados Unidos, os pais passaram a dar mais importância à educação das emoções na escola?
Roberts
– Esse é um conhecimento que está sendo disseminado. Há muitos livros hoje em
dia sobre o assunto. O livro do escritor americano Paul Tough (Uma questão de
caráter, no título em português) ficou entre os mais vendidos do The New York
Times. Os pais estão mais ligados nesse assunto.
ÉPOCA
– Um estudo feito neste ano nos Estados Unidos, com mais de 6 mil professores,
afirma que mais de 60% dos entrevistados não se sentem preparados para lidar
com questões socioemocionais. Dizem que não receberam nenhum tipo de
treinamento – nem mesmo na universidade. Como preparar os professores para
lidar com essas habilidades?
Roberts
– Essa é uma questão crítica. Há alguns anos, tínhamos uma organização social
diferente. As mães ficavam em casa, perto das crianças, enquanto os pais
trabalhavam. Hoje, a importância da escola aumentou e, consequentemente, a do
professor. Os professores têm também a função de mostrar e desenvolver
comportamentos adequados nas crianças. O que se pode fazer de imediato é pensar
em como abordar os conteúdos formais – para os quais os professores estão bem
preparados. Se os alunos trabalham com uma história, vale questioná-los sobre o
que acham certo ou errado, por que pensam daquela forma, o que fariam naquela
circunstância. Pode-se pensar em como fazer abordagens que exijam reflexão do
aluno.
ÉPOCA
– Os Estados Unidos construíram recentemente uma base curricular comum para
todo o país. Isso é algo que está sendo preparado no Brasil. As questões
socioemocionais foram abordadas na política americana de educação?
Roberts
– Não de forma específica. Há alguma menção como uma indicação. Agora, há
muitos Estados americanos preocupados em sistematizar esse tipo de ensino. O
mundo está acordando para isso agora. O levantamento da OCDE, que é um dos mais
respeitados do mundo, está investindo nessa questão agora. Esse é um indicador
importante. Estamos progredindo. Mesmo países como a Coreia estão preocupados
em deixar de ser muito rígidos e dar mais espaço para olhar o lado emocional
dos alunos. Fomos procurados pelo ministro da Educação da Coreia para ajudá-los
com isso.
ÉPOCA
– Que países podem ser considerados modelos de ensino de habilidades
socioemocionais hoje?
Roberts
– Acho que ainda não temos uma resposta para isso, infelizmente.
ÉPOCA
– No Brasil, percebe-se um preconceito com as escolas que optam por trabalhar
as emoções em relação às escolas que oferecem o currículo tradicional. Esse
preconceito também ocorre nos Estados Unidos?
Roberts
– Existe, sim, algum preconceito por parte de quem defende o ensino
tradicional. A maioria das inovações na forma de ensinar e de avaliar vem das
escolas independentes. Há uma ideia de que, ao se preocupar com o conteúdo
emocional, você estaria roubando espaço do ensino cognitivo. Mas, na verdade,
ocorre o contrário. Ao reforçar o ensino emocional, potencializamos o
cognitivo.
ÉPOCA
– Por que isso ocorre?
Roberts
– Acho que essa resposta exige uma análise complexa sobre o tipo de país que
queremos ser e o que valorizamos numa sociedade. Tradicionalmente, seguimos a
linha dos economistas. Eles costumam observar o retorno dos investimentos, a
capacidade de produção, o cumprimento das regras. A economia ainda determina
muita coisa nas políticas, inclusive nas educacionais. É uma questão de
refletir sobre os valores que temos e sobre os que queremos transmitir. Quando
fizermos isso, perceberemos o tipo de mudança que teremos de fazer. E aí,
talvez, a diferença entre tradicional e alternativo na educação não faça mais
sentido.
Revista
Época
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