Nascido
na era da internet, o paulistano Jefferson sempre teve fácil acesso à
pornografia. Embora não se considerasse viciado, assistia a material explícito
pelo menos cinco vezes por semana em sites de compartilhamento de vídeos. O
hábito se manteve constante até 2016, quando entrou em contato com outro tipo
de conteúdo nas redes sociais. Na página “Anti Pornografia” , que tem 32 mil
curtidas no Facebook, descobriu estudos sobre os danos causados pelo pornô à
saúde mental e foi alertado sobre os abusos sofridos pelas atrizes dessas
produções. O suficiente para que esse promotor de vendas de 23 anos, que
prefere não revelar seu sobrenome, excluísse completamente a pornografia da sua
vida.
—
Somos uma geração educada sexualmente através do pornô, em especial os homens —
diz ele. — Talvez por causa de estudos mais recentes, só agora está surgindo
uma maior conscientização sobre os problemas desse consumo.
Parte
da geração que cresceu com a pornografia começa agora a questioná-la. O
movimento é cada vez mais visível na internet, e não está ligado a princípios
religiosos, mas de bem-estar. São em geral jovens com menos de 30 anos que usam
fóruns e grupos de discussões como o Reddit para se manifestar sobre os
impactos da indústria pornográfica em suas vidas. Um dos assuntos mais
comentados nessas comunidades é o reboot — uma técnica que, a grosso modo, tem
como objetivo “reinicializar” o cérebro e reconfigurar o desejo a partir da
abstinência de pornô.
Um
dos nomes mais citados nestas comunidades é o do fisiologista americano Gary
Wilson, autor do livro “Your brain on porn” (“Seu cérebro e o pornô”) .
Frequentemente, os adeptos do reboot se baseiam no TedTalk de Wilson, “The
great porn experiment” , que tem 11 milhões de views. Os argumentos do
fisiologista, porém, geram polêmica na comunidade científica, especialmente
suas visões sobre vício. Um de seus papers acadêmicos associa o aumento da
disfunção erétil com o a disseminação na pornografia — ideia que chegou a ser
criticada por neurologistas.
Em
entrevista por telefone, Wilson defende a relação entre disfunção erétil e o
vício em pornô. Ele acredita, inclusive, que este fato leva cada vez mais
homens a questionar o seu consumo. O que não significa, é claro, que a procura
por pornografia não continue alta. No ano passado, só o site Pornhub teve 33,5
bilhões de visitas — 5 bilhões a mais do que em 2017.
—
Ao mesmo tempo que um grande número de pessoas, especialmente homens e jovens,
conscientizou-se sobre os efeitos negativos do pornô e decidiu abandoná-lo, há
ainda um número maior que busca esse tipo de conteúdo on-line — diz Wilson. — O
número de novos espectadores ultrapassa o de quem larga. Portanto, acho que
isso vai ficar muito pior até começar a melhorar.
No
site brasileiro “Como parar”, que reúne depoimentos sobre o vício em
pornografia, jovens usam expressões como “mal do século”, “bug na cabeça” e
“derrota”, entre outras nada positivas. Maiores consumidores deste tipo de
conteúdo, os usuários masculinos do site contam que a exposição a ele trouxe
problemas como perda de atração pela parceira, menor socialização,
objetificação da mulher e depressão.
Já
entre as mulheres, a rejeição está também relacionada à representação feminina
e aos maus tratos das atrizes nos sets. Ao entrar em contato com grupos
feministas, Nicole, de 20 anos, passou a questionar o seu consumo próprio de
pornografia. Ela, que até pouco tempo tinha um namorado “viciado” em vídeos de
sexo, passou a militar ativamente contra a indústria nas redes.
—
Todas as minhas amigas são contra, diz.
Para
Marina Cenni e Isadora Leal, duas das quatro administradoras da página “Anti
Pornografia”, o movimento tem ganhado força principalmente por causa dos mais
jovens.
—A
indústria pornográfica teve um tempo livre para crescer e se solidificar na
sociedade — avaliam elas, em entrevista por email. — Acho que as pessoas, aos
poucos, estão se dando conta dessa força esmagadora que cresceu debaixo da
cama, nas telas de jovens e adultos, enquanto recusava-se a falar sobre ela e
insistia-se em normalizá-la.
Desde
que a página começou a ganhar mais movimentação, muitas pessoas passaram a
compartilhar suas experiências. A frase “Eu achava que eu era a única pessoa a
se incomodar com isso” ainda é recorrente, o que prova, para Marina e Isadora,
que o tema mantém-se como um tabu.
—
É como se a pornografia fosse a norma e falar qualquer coisa contra ela fosse
ser “antissexo”, ou “puritano”, o que não é o caso — explicam.
Se
no passado o combate costumava partir de comunidades religiosas, agora ele
encontra raízes em grupos que preferem trocar a pregação pela divulgação de pesquisas
e dados científicos sobre os impactos do pornô.
É o caso do Fight the new drug (Lute contra a nova droga), uma ong
americana que procura fazer um trabalho de conscientização entre os mais
jovens.
—
Descobrimos que a melhor maneira de educar os jovens sobre pornografia é ser
honesto e direto — disse a organização, em uma entrevista através de sua
assessoria. — Sem conversa fiada, sem fazer de conta que isso não é uma
questão. Apresentar a ciência e os fatos também é importante.
Nem
todos os pesquisadores, porém, concordam sobre o tipo de impacto que a
pornografia produz.
—
Não há uma fundação científica de que a pornografia em si traga prejuízos —
acredita Paulo Rennes, coordenador do mestrado em Educação Sexual da Unesp. —
Os problemas são mais relacionados no sentido de valores. A pornografia
deseduca e faz com que os jovens tenham uma visão distorcida do sexo. Mas ela
pode ser um reflexo, já que somos uma sociedade que investe no erotismo, em vez
de investir na educação sexual. Assim, a pornografia pode servir para nos
mostrar algo que precisa ser repensado ou excluído na sociedade.
Bolívar
Torres
Jornal O Globo
Jornal O Globo
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