No livro QS Inteligência Espiritual, lançado no ano passado,
a física e filósofa americana Dana Zohar aborda um tema tão novo quanto
polêmico: a existência de um terceiro tipo de inteligência que aumenta os
horizontes das pessoas, torna-as mais criativas e se manifesta em sua
necessidade de encontrar um significado para a vida. Ela baseia seu trabalho
sobre Quociente Espiritual (QS) em pesquisas só há pouco divulgadas de
cientistas de várias partes do mundo que descobriram o que está sendo chamado
“Ponto de Deus” no cérebro, uma área que seria responsável pelas experiências
espirituais das pessoas. O assunto é tão atual que foi abordado em recentes
reportagens de capa pelas revistas americanas Neewsweek e Fortune. Afirma Dana:
“A inteligência espiritual coletiva é baixa na sociedade moderna. Vivemos em uma
cultura espiritualmente estúpida, mas podemos agir para elevar nosso quociente
espiritual”.
Aos 57 anos, Dana vive na Inglaterra com o marido, o
psiquiatra Ian Marshall, co-autor do livro, e com dois filhos adolescentes.
Formada em física pela Universidade Harvard, com pós-graduação no Massachusetts
Institute of Tecnology (MIT), ela atualmente leciona na universidade inglesa de
Oxford. É autora de outros oito livros, entre eles, O Ser Quântico e A Sociedade
Quântica, já traduzidos para o português. QS Inteligência Espiritual já foi
editado em 27 idiomas, incluindo o português (no Brasil, pela Record). Dana tem
sido procurada por grandes companhias interessadas em desenvolver o quociente
espiritual de seus funcionários e dar mais sentido ao seu trabalho. Ela falou a
EXAME em Porto Alegre durante o 300 Congresso Mundial de Treinamento e
Desenvolvimento da International Federation of Training and Development
Organization (IFTDO), organização fundada na Suíça, em 1971, que representa 1
milhão de especialistas em treinamento em todo o mundo. Eis os principais
trechos da entrevista:
O que é inteligência
espiritual?
É uma terceira inteligência, que coloca nossos atos e
experiências num contexto mais amplo de sentido e valor, tornando-os mais
efetivos. Ter alto quociente espiritual (QS) implica ser capaz de usar o
espiritual para ter uma vida mais rica e mais cheia de sentido, adequado senso
de finalidade e direção pessoal. O QS aumenta nossos horizontes e nos torna mais
criativos. É uma inteligência que nos impulsiona. É com ela que abordamos e
solucionamos problemas de sentido e valor. O QS está ligado à necessidade humana
de ter propósito na vida. É ele que usamos para desenvolver valores éticos e
crenças que vão nortear nossas ações.
Há quanto tempo a senhora trabalha
com inteligência espiritual?
Toda a minha vida, praticamente, já
que perdi a fé na religião (cristianismo) aos 11 anos de idade e sempre procurei
um meio de encontrar realização espiritual fora dos domínios da religião. Meu
trabalho mais recente sobre QS tem quatro anos e foi produzido ao mesmo tempo em
que cientistas começaram a divulgar pesquisas que mostram uma base neurológica
para as experiências espirituais e místicas.
De que modo essas pesquisas
confirmam suas idéias sobre a terceira inteligência?
Os cientistas descobriram que temos um “Ponto de Deus” no
cérebro, uma área nos lobos temporais que nos faz buscar um significado e
valores para nossas vidas. É uma área ligada à experiência espiritual. Tudo que
influencia a inteligência passa pelo cérebro e seus prolongamentos neurais. Um
tipo de organização neural permite ao homem realizar um pensamento racional,
lógico. Dá a ele seu QI, ou inteligência intelectual. Outro tipo permite
realizar o pensamento associativo, afetado por hábitos, reconhecedor de padrões,
emotivo. É o responsável pelo QE, ou inteligência emocional. Um terceiro tipo
permite o pensamento criativo, capaz de insights, formulador e revogador de
regras. É o pensamento com que se formulam e se transformam os tipos anteriores
de pensamento. Esse tipo lhe dá o QS, ou inteligência espiritual.
Qual a diferença entre QE e QS?
É o poder transformador. A inteligência emocional me permite
julgar em que situação eu me encontro e me comportar apropriadamente dentro dos
limites da situação. A inteligência espiritual me permite perguntar se quero
estar nessa situação particular. Implica trabalhar com os limites da situação.
Daniel Goleman, o teórico do Quociente Emocional, fala das emoções. Inteligência
espiritual fala da alma. O quociente espiritual tem a ver com o que algo
significa para mim, e não apenas como as coisas afetam minha emoção e como eu
reajo a isso. A espiritualidade sempre esteve presente na história da
humanidade.
Por que somente agora o mundo
corporativo se preocupa com isso?
O mundo dos negócios atravessa uma crise de sustentabilidade.
Suas atitudes e práticas atuais, centradas apenas em dinheiro, estão devastando
o meio ambiente, consumindo recursos finitos, criando desigualdade global,
conduzindo a uma crise de liderança nas empresas e destruindo a saúde e o moral
das pessoas que trabalham ou cujas vidas são afetadas por elas. Espiritualidade
nos negócios significa simplesmente trabalhar com um sentido mais profundo de
significado e propósito na comunidade e no mundo, tendo uma perspectiva mais
ampla, inspirando seus funcionários. Nós não sabemos mais o que é realmente a
vida. Não sabemos qual é o jogo que jogamos nem quais são as regras. Falta-nos
um sentido profundo de objetivos e valores fundamentais. Essa crise de
significado é a causa principal do estresse na vida moderna e também das
doenças.
A busca de sentido é a principal
motivação do homem. Quando essa necessidade deixa de ser satisfeita, a vida nos
parece vazia. No mundo moderno, a maioria das pessoas não está atendendo a essa
necessidade.
Como se pode detectar os sintomas
dessa crise na vida corporativa?
Desde o surgimento do capitalismo,
há 200 anos, tudo que importa no mundo dos negócios é o lucro imediato. Isso
criou uma cultura corporativa destituída de significado e de valores mais
profundos. Nós apenas queremos mais dinheiro. Mas para quê? Para quem?
Trabalhamos para consumir. É uma vida sem sentido. Isso afeta o moral, tanto dos
dirigentes quanto dos empregados, sua produtividade e criatividade. E também
afasta dos negócios preocupações mais amplas com o meio ambiente, a comunidade,
o planeta e a sustentabilidade. O mundo corporativo é um monstro que se
autodestrói porque lhe falta uma estrutura mais ampla de significado, valores e
propósitos fundamentais. Há uma profunda relação entre a crise da sociedade
moderna e o baixo desenvolvimento da nossa inteligência espiritual.
Quais companhias a têm chamado para
desenvolver trabalhos que busquem elevar o quociente espiritual de dirigentes e
empregados?
Não posso citar seus nomes, mas tenho
atendido a bancos, financeiras, empresas de telecomunicações, de petróleo e
montadoras de automóveis. Trabalhamos juntos para adquirir a compreensão de que
as atitudes e práticas existentes são insustentáveis e como as empresas podem
desenvolver tanto a sustentabilidade como os serviços cultivando as dez
qualidades do quociente espiritual (veja quadro na pág.
79).
A senhora poderia citar exemplos de
companhias ou empresários que estejam buscando mais sentido em seu trabalho?
Há muitos exemplos. Mats
Lederhausen, o vice-presidente de estratégia global do McDonald s, é um deles.
Sua função na empresa é ser a voz de protesto e consciência, sacudindo as
pessoas, agitando o barco. Ele iniciou projetos como a distribuição gratuita de
vacinas antipólio na África, a luta contra plantações geneticamente modificadas,
o uso de gaiolas maiores para galinhas e um trabalho para restaurar ecossistemas
danificados.
Outro exemplo é a Amul, empresa da Índia que distribui para o
Estado de Gujarat o leite de 10 000 cooperativas. A Amul compra todos os dias o
leite de camponeses que possuem apenas uma vaca, permitindo que indivíduos
pobres possam competir com grandes fazendeiros. O Banco de Desenvolvimento da
Ásia se dedica à erradicação da pobreza com programas de micro-crédito para
pessoas muito pobres. A British Petroleum adotou um novo slogan, “Além do
Petróleo”, e está colocando o grosso de seus fundos de pesquisa no
desenvolvimento de tecnologias energéticas alternativas, menos agressivas ao
meio ambiente. John Browne, o CEO da companhia, conseguiu aumentar o valor das
ações enfatizando relações de longo prazo entre sua empresa e a sociedade.
Como é o líder espiritualmente inteligente?
É um líder inspirado pelo desejo de servir, uma pessoa
responsável por trazer visão e valores mais altos aos demais e por lhes mostrar
como usá-los. É uma pessoa que inspira as outras. Gente como o Dalai Lama,
Nelson Mandela, Mahatma Gandhi. No mundo dos negócios, Richard Branson, da
Virgin, é um líder espiritualmente inteligente. Ele está muito preocupado com o
meio ambiente e a comunidade. É muito espontâneo, tem visão e valores, tem
perspectivas amplas.
Como se pode desenvolver a inteligência espiritual?
Tomando consciência das dez qualidades comuns às pessoas
espiritualmente inteligentes e trabalhando para desenvolvê-las. Procurando mais
o porquê e as conexões entre as coisas, trazendo para a superfície as suposições
que fazemos sobre o sentido delas, tornando-nos mais reflexivos, assumindo
responsabilidades, sendo honestos conosco mesmos e mais corajosos. Tornado-nos
conscientes de onde estamos, quais são nossas motivações mais profundas.
Identificando e eliminando obstáculos. Examinando as numerosas possibilidades,
comprometendo-nos com um caminho e permanecendo conscientes de que são muitos os
caminhos.
De que forma as pessoas espiritualmente inteligentes podem
beneficiar as corporações?
As pessoas com QS elevado querem sempre fazer mais do que se
espera delas. Algo para além da empresa. Quem trabalha unicamente por dinheiro
não faz o melhor que pode. Nas empresas em que se busca desenvolver
espiritualmente os funcionários, a produtividade aumenta porque eles ficam mais
motivados, mais criativos e menos estressados. As pessoas dão tudo de si quando
se procura um objetivo mais elevado. Se as organizações derem espaço para as
pessoas fazerem algo mais, se souberem desenvolver em cada indivíduo sua
inteligência espiritual, terão mais resultados e mais rapidamente.
A senhora diz que o capitalismo como se conhece hoje está com
os dias contados, mas que um novo capitalismo está nascendo. Como ficam as
empresas com essa nova perspectiva?
Está surgindo um novo tipo de empresa. É uma empresa
responsável. No novo capitalismo sobreviverão as companhias que têm visão de
longo prazo, que se preocupam com o planeta, em desenvolver as pessoas que nelas
trabalham. Que se preocupam, sim, com o lucro, mas que querem ganhar dinheiro
para desenvolver as comunidades em que atuam, proteger o meio ambiente, propagar
educação e saúde.
exame.abril.com.br/revista-exame/deus-e-negocios-m0052782/
Um comentário:
Olá Neusa! Gostaria de te seguir para receber as atualizações do teu blog, mas esta opção não esta ativa... Um abraço!
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